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Tehanu, Ursula Le Guin

Finalmente chegou a vez de “Tehanu”, quarto livro do Ciclo Terramar, ganhar o seu lugar de destaque na estante, junto aos seus irmãos de série. E, quem diria, ele se tornou o meu favorito dos quatro, depois de uma disputa apertadíssima com o primeiro volume, “O Feiticeiro de Terramar”.

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Mas o que “Tehanu” tem de especial?

Os três primeiros volumes da série foram escritos entre 1962 -1970, um marco tanto na produção de fantasia e quanto na carreira de Ursula. O seu retorno ao universo de Terramar, no início dos anos 1990, veio já na terceira idade, uma necessidade de, com um olhar diferente, revisitar uma história que ainda lhe era cara. E dessa visita nasceu “Tehanu”.

Muitos críticos, e eu concordo com eles, dizem ser esse o melhor volume da série exatamente por essa oportunidade da reflexão, do olhar de uma mulher vivida e experiente sobre o seu papel na vida e na escrita de fantasia. Onde é que você vai encontrar uma protagonista na casa dos 40 anos, em um livro clássico de fantasia? O retorno de Tenar, personagem que já tínhamos conhecido no livro 02, “As tumbas de Atuan”, coloca novamente a figura feminina no eixo central da fantasia, uma mulher mais madura, que ainda tem ganas de explorar sua individualidade, sua força interior. Além dela, nessa historia, temos Therru, uma menina ferida, desfigurada e muito vulnerável adotada por Tenar que, aos poucos, vai também desabrochar e descobrir seu poder e lugar no mundo, e também Ged, o grande protagonista da série, tentando entender seu novo papel como coadjuvante, depois de muitas aventuras e sacrifícios que exauriram seu poder de Arquimago.

Ursula e a desigualdade de gênero, dentro e fora da fantasia

A trama começa de maneira e simples e até despretensiosa, no entanto, foi pensada para expor os desafios e dores de uma mulher em uma sociedade onde até a magia feminina é relegada a segundo plano. Seja no enfrentamento do luto, de traumas, e da violência, vemos que as mulheres de Terramar enfrentam as mesmas batalhas que a gente, em todas as etapas da vida. Sim, na ficção, o escritor detém o poder de consertar tudo aquilo que machuca, que incomoda, mas por que Ursula Le Guin faria isso? Seu objetivo é refletir e nos fazer refletir, é expressar tudo aquilo que ela não podia no passado, seja por censura ou seja por vivências, até porque, como uma mulher na terceira idade, ela não vê o mundo com os mesmos olhos de antes.

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A trama da pequena Therru – uma criança abusada e abandonada pela família – pareceu a muitos leitores um tema controverso demais para um livro de fantasia nos anos 1990, contudo reforça o quão cruel o sistema patriarcal pode ser sobre a vida de uma mulher desde a tenra idade. O livro tem uma linha bem mais pesada que os anteriores, mas muito real e pertinente porque foca na vivência dos personagens femininos em um cenário rural limitado para as mulheres, e na tentativa delas de romper com os papéis que lhe são impostos.

E foi por escancarar a impotência feminina nesses papéis, tanto sociais quanto na prática da magia/fantasia, foi que o livro me ganhou. Ursula descreve “Tehanu” como um novo modo de enxergar o heroismo, e podemos encontrar suas considerações mais tocantes sobre a obra no posfácio do livro:

Quando escrevi esse livro, eu precisava olhar de fora e de baixo para o heroísmo, do ponto de vista das pessoas que não estão incluídas. Aquelas que não conseguem fazer magia. Aquelas que não tem cajados ou espadas brilhantes. Mulheres, crianças, pessoas empobrecidas, envelhecidas, impotentes.Anti-herois, pessoas comuns: meu povo. Eu não queria mudar Terramar, mas precisava ver como Terramar era visto por nós.

Para o período que foi escrito, o livro rompeu muitas barreiras ao focar sua trama na desigualdade de gêneros, e acredito que continua relevante e contundente nas críticas ainda hoje. Mesmo com um grande número de fantasias com protagonismo feminino no mercado, poucas conseguem entregar a clareza sobre a condição feminina que Ursula Le Guin traz em “Tehanu”, por isso recomendo muito a leitura. É uma leitura curta, e cheia de potencial.

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