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A bibliotecária de memórias é ou não é uma biografia?

Afinal de contas, “A bibliotecária de memórias e outras histórias do Dirty Computer”, esse super lançamento da Morro Branco do ano de 2023, é ou não é uma bibliografia da Janelle Monae?

Bom, estou aqui pra te contar que, tecnicamente, esse livro não é uma bibliografia. Mas metaforicamente falando, talvez?

Brincadeiras a parte, esse livro tem a proposta muito peculiar.
Janelle Monáe, famosa cantora, escritora, ativista e artista multimídia estadunidense, é a mestre de cerimônias de uma narrativa única e colaborativa, que conta com uma gama diversa de autores versados em temas de afrofuturismo, distopia, ficção científica e especulativa. Esse conjunto de contos, transformado em livro, é a última peça no mosaico do universo criado por Monáe com o álbum “The dirty computer,” de 2018.

Como funciona? Todos os contos do livro são escritos por Janelle de forma colaborativa com autores diferentes, mas as histórias se conectam de forma muito interessante, tendo como pano de fundo um futuro distópico autoritário onde a tecnologia é usada para destruir a oposição não conformista. Em um local chamado Nova Aurora, temos 5 histórias que focam nas pessoas que vivem nesse regime, em diferentes recortes de espaço e tempo, que foram, em algum momento, imputadas como sendo um “dirty computer”, máquinas defeituosas, infectadas com o vírus da oposição, e que precisam ser reformatadas.

Sonhos, memórias e emoções, são itens que nos fazem únicos, mas que podem levar ao caos, e por isso a repressão ganha destaque em todos os contos. São tramas que focam bastante na experiência negra, especialmente as da comunidade queer, as mais perseguidas na comunidade da Nova Aurora. São historias recheadas de luta e resiliência frente à intolerância, que nos ensinam a abraçar as nossas diferenças e que ensinam demais, e, para mim, foram o forte do livro.

Capa do album Dirty computer, e capa do livro, em ingles, via Reactor Magazine

Outra coisa muito legal, como mencionei antes, é que esse livro é a última peça do quebra -cabeça multimídia criado por Janelle Monáe, que começou com o álbum musical Dirty Computer. Esse álbum é repleto de músicas que vem de experiências muito íntimas e pessoais da artista, que vem lutando para libertar-se dos rótulos de gênero e identidade. São músicas que expressam muito sua vivência como uma mulher queer latina e preta.

A segunda peça do quebra cabeça é o filme conceito de mesmo nome, que você encontra no YouTube gratuitamente, e que eu considero uma ótima introdução à leitura. O filme tem só 45 minutos e combina trechos de atuação com clipes musicais, e, acredite, faz toda a diferença conhecê-lo antes de ler o livro. E ele ajuda demais na ambientação do livro, ajuda você a conectar as histórias, e te faz perceber os segredinhos escondidos, os “easter eggs” do livro, que são referencias da discografia de Dirty Computer.

Procure por “Dirty Computer emotion picture” no YouTube

Com o lançamento do livro, a visão de Janelle Monáe se completa – “Dirty Computer” e “A Bibliotecária de memórias” são, juntos, uma obra que deixa um alerta claro sobre a sociedade corrente. O livro nos presenteia com o que a ficção especulativa entrega de melhor – um lugar seguro para debatermos os perigos que enfrentamos, uma lição do futuro que nos urge a realinhar o presente. Seja na música, no audiovisual, ou na literatura, a mensagem da artista se perpetua, mostrando a importância da ocupação dos espaços que nos são devidos, sem cair na falácia do conformismo. Essa obra combinada é um reflexo de todo o seu trabalho como artista, e por isso o livro se torna, para mim, uma espécie de uma biografia não intencional.

E aí, ficaram curiosos com essa obra? Confia em mim, e não deixe de ver o curta-metragem antes da leitura – vai enriquecer a sua experiência de leitura!

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