Não deixe a foto de capa enganar você : esse não é um livro sobre vampiros.

Robert Neville é um homem de trinta e poucos anos que pode ser o último homem da Terra – ele é sobrevivente de uma praga que assola o planeta, e que transforma as pessoas em criaturas tais quais os vampiros da ficção. Todos os dias ele vive a sua rotina, fortifica a sua casa e, à noite, ele é molestado pelas criaturas que tentam destruí-lo.

Na rotina de Neville há dias bem pesados e vazios, e outros onde a pesquisa sobre a praga vampiresca lhe dá que um fio de esperança. O que será dele no fim das contas: estaria ele condenado a vagar sozinho pra sempre, ou será que ele vai sucumbir aos vampiros?

Por isso digo e repito: esse não é livro sobre vampiros.

É livro sobre a solidão na sua forma mais extrema. É uma história que nos mostra o quão difícil é sobreviver àqueles que amamos, e viver em tempos onde nenhuma resposta é satisfatória.

“Às vezes, mergulhava em devaneios, imaginando encontrar alguém. No entanto, tentava ajustar-se com cada vez mais frequência ao que ele sinceramente acreditava ser inevitável: que ele era, na verdade, o único ser humano que restava no mundo, ao menos na porção do mundo que ele podia ter a esperança de conhecer.”

Nova capa da obra, com ilustrações de Butcher Billy – Editora Aleph

“Eu sou a lenda”, de Richard Matheson, foi escrito em 1956, acredita? Considerado a gênese do vampiro moderno, é o primeiro livro que discute um viés cientifico para a ideia do vampirismo, já que tudo antes era centrado em folclore e misticismo. Ele apresenta ideias bem interessantes e pavimentou o caminho pro sucesso futuro de vampiros, zumbis e temas apocalípticos em livros e filmes.

Apesar de todas as suas inovações, o livro tem alguns pontos negativos que podem deixar os leitores pouco empolgados: falta certa coesão ao texto porque a leitura alterna entre linhas do tempo e fluxos de consciência ; o desenvolvimento dos personagens tem lá suas limitações; e também não há respostas claras sobre o que está acontecendo. Pra mim, especialmente, foi mais uma questão de ajuste expectativas, pois quando entendi que o foco central do livro não eram os vampiros, tudo se encaixou.

Jogue as expectativas pela janela !

Então fica aqui a minha dica: deixe de lado suas expectativas e o que você sabe sobre as adaptações audiovisuais da obra. Com isso, você vai curtir muito melhor esse livro ! Você vai sentir a angústia e a pressão que o autor busca passar, e vai ficar tão perdido e triste quanto o protagonista, que está com a sanidade por um fio, e acaba descontando a frustração, por vezes, no álcool e na violência. Há um tom de desalento por toda a narrativa que muito me agradou, e elevou a narrativa.

Também ficou claro para mim que Richard Matheson não sabia ser prolixo, pois ele consegue nesse pouco volume de paginas criar um ambiente apocalíptico e desolador. Aliás, Stephen King já citou por algumas vezes ter o autor e especificamente esse livro como referência e inspiração, e, parando pra pensar, esse sentimento de desolação presente em “Eu sou a lenda” é mesmo similar ao que senti em muitos livros dele.

Ótimo trabalho, Senhor King.

O tamanho (são menos de 300 páginas) conta a favor da leitura também, que não fica pesada, e, apesar de não parecer, eu acredito haver sim um bom balanço entre a narrativa em si e o estudo de personagem. Mas você espera muito enredo e sustos, desculpe, esse livro não vai te satisfazer.

Por tudo isso eu realmente acho que “Eu sou a lenda” tem sabor de clássico moderno, e também representa uma boa alegoria considerando o momento histórico no qual foi escrito ( Pós 2 Guerra Mundial e Guerra da Coreia). É um livro que traz muitos temas pra refletir, especialmente sobre a natureza humana, e espero que você curta essa leitura tanto quanto eu.

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