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Eu escrevi um livro usando ChatGPT !

Nessas últimas semanas, muito tem se falado sobre o ChatGPT, plataforma de inteligência artificial lançada no fim de 2022 e disponível gratuitamente para uso de todes. Seu uso alcançou, inclusive, o mercado editorial, e as controvérsias são muitas! Só nos últimos 3 meses, a Amazon já tem mais de 300 e-books que contem, no campo autoria ou coautoria, o nome ChatGPT. Há vídeos e mais vídeos nas plataformas digitais explicando como criar livros do início ao fim usando essa ferramenta, sem muito esforço, e vender o material na internet.

Seria o fim da carreira de escritor tradicional? O que esperar de um livro escrito uma plataforma de inteligência artificial (IA)? É realmente possível escrever um livro usando o ChatGPT?

Pois eu escrevi um livro com o robozinho, e estou aqui para contar a experiência.

Captura de tela mostra uma conversa entre usuário e IA
O processo

Primeiro, é preciso dizer que o manuseio da plataforma foi rápido e fácil. Tudo que você precisa é uma ideia na cabeça, e criar um login com senha para o acesso gratuito! O pontapé inicial dado por mim foi simples prompt, sem firulas, igual ao que a gente faz quando busca no Google. Eu pedi a ferramenta que me escrevesse um texto sobre uma protagonista madura que descobre uma livraria mágica.

Com esse prompt, a ferramenta me deu cerca de 500 palavras com boa estrutura textual logo de cara, em cerca 20 segundos. E usando esse primeiro bloco de informações como guia, fui alimentando a máquina com algumas ideias específicas, pedindo parágrafos ou capítulos que as expressassem. Pedi, por exemplo, que o ChatGPT escrevesse um capítulo onde a protagonista conversasse com determinado personagem, em outro que resolvesse um determinado problema ou situação. Segui assim até esgotar minhas ideias, e consegui uma história inteira em pouco tempo de trabalho.

O que achei do ChatGPT? Continue lendo !

Aliado ou inimigo?

Vantagens do ChatGPT? Sim, há muitas.
A ferramenta escreve de maneira correta e descomplicada, com boa estrutura, conseguindo entregar enredo e desenvolver ideias básicas, que podem ser aprimoradas a cada novo comando. E ela faz isso em segundos – eu consegui 5.000 palavras em poucos minutos! É um tempo de trabalho muito curto, que me permitiu escrever um livro simples em um único dia. Para um escritor amador, isso significa a possibilidade de lançamentos editoriais recorrentes e com chance de lucro imediato, pois a publicação em plataformas de venda geraria dinheiro na hora, sem intermediação de agentes ou contratos.

Para a produção de textos simples, informativos, que não dependem de informações muito complexas ou detalhadas, o ChatGPT funciona super bem. Consigo ver seu uso crescer em posts em redes sociais, blogs, copywriting, pesquisas, itens que acredito serem o alvo da plataforma. Na hora da preguiça, por exemplo, consigo imaginar uma pessoa pedindo ao robozinho que faça um texto sobre determinado tema que conhece bem, e depois consiga polir o material sem muito esforço.

Desvantagens? Muitas também.
Digo com propriedade que o texto que me foi dado pelo ChatGPT, ainda que bem escrito gramaticalmente, é mediano, morno, casual, repetitivo e redundante em alguns momentos. É preciso muita perspicácia e paciência ao alimentar o robô, pois nem sempre as ideias que trazemos à máquina se fazem transparecer no texto. Ficou claro para mim que é preciso entregar no chat blocos de ideias muito detalhados para que se produza um texto de qualidade informativa, o que dirá na produção de um com qualidade literária.

Quando li, com olhar critico e mais calma, tudo que o ChatGPT escreveu sobre a minha protagonista e sua livraria mágica, fiquei honestamente desanimada, porque era nítido que faltava vigor e imaginação ao texto. Muito simplório, genérico, mais um entre tantos já existentes por aí. Percebi que teria um trabalho danado se decidisse editar e refinar as quase 20 paginas que esse meu projeto rendeu. Pensei logo em como subestimamos a imaginação, a criatividade, e o instinto como habilidades essenciais na construção e edição de um livro. Autores e profissionais do livro nunca ficarão obsoletos, porque literatura depende muito da experiência e do olhar humanos, na minha opinião.

Isso me lembra outra importante questão: plágio.
Se o meu texto pareceu genérico e “mais do mesmo”, é porque o material escrito pelo Chat GPT sai da compilação e cruzamento de informações do banco de dados, e a máquina pesquisa e oferece padrões textuais já existentes, ou seja, vozes, personagens, diálogos e enredos contidos nesse reservatório que ela possui. Logo, a chance de plágio não é pequena.

Muitos programas de inteligência artificial já possuem ferramentas de checagem de plágio, mas muita coisa ainda escapa, e a repetição de temas e enredos não passa nessa checagem. Muitas editoras gringas já estão buscando esclarecimentos jurídicos sobre o assunto, porque é uma área nova, portanto, nebulosa. Poucos dias atrás, a Associação de escritores dos EUA resolveu adicionar, em seus modelos de contrato, uma clausula que proíbe um autor ou editora de liberar seu material – protegido por direitos autorais – para ser usado em treinamento de inteligência artificial. Assim se espera que autores e editoras, com esse modelo, fiquem mais protegidos em nível contratual e garantem que suas histórias não serão copiadas no todo ou em parte, podendo confrontar questões de plágio com mais facilidade.

Será o fim do bom e velho trabalho criativo?
Alguém sempre sai perdendo…

Enquanto alguns espertinhos fazem uso desenfreado de programas inteligência artificial na escrita, achando que essas ferramentas garantirão facilidade, velocidade e dinheiro rápido no ramo literário, temos o mercado de autores independentes, outrora facilitado pela plataforma de publicação da Amazon, sofrendo as consequências. Essa enxurrada de textos genéricos advindos do ChatGPT precisam ser enquadrados pelas regras de uso do site, e enquanto não o são, estão à venda por preço baixo e em competição direta com autores que tentam há anos realizar suas publicações por meios tradicionais e não conseguem.

E os livros escritos com inteligência artificial também estão chegando às pequenas editoras e às revistas literárias, especialmente aquelas que pagam pelos contos e historias submetidos à publicação. Segundo relatos online de profissionais de algumas dessas revistas, (A Clarksworld é uma delas) esses textos escritos pela IA são facilmente reconhecidos, e logo, descartados, mas tem causado problemas devido ao grande fluxo de envios e o tempo desperdiçado na triagem.

Por conta dessa controvérsia toda, vários autores tem se manifestado sobre o uso da plataforma. O autor John Scalzi, famoso no ramo de ficção cientifica, resolveu testar a plataforma e postou suas considerações. Ele conversou com a máquina sobre isso, perguntando se o Chat GPT ia “tirar” o emprego dele. Sobre esse tema, o programa respondeu que:

(…) Furthermore, writing is a creative process that involves imagination, emotion, and personal experience. As an AI language model, I lack the capacity for creativity and original thought that is essential for creating compelling stories. Therefore, while I can help you with your writing tasks, I can never replace the unique voice and perspective that you bring to your own writing.”

Em tradução livre:
“Além disso, escrever é um processo criativo que envolve imaginação, emoção e experiencia pessoal. Por ser um projeto de inteligência artificial de linguagem, eu não sou capaz de me expressar com criatividade ou ter pensamentos originais, essenciais para a criação de histórias envolventes. Portanto, embora consiga te ajudar em tarefas de escrita, nunca poderei substituir a perspectiva e voz únicas que você imbui no seu texto.”

Acho que ficou claro que, embora seja capaz de escrever bem, escrever um livro usando o ChatGPT não vai automaticamente tornar você um autor muito interessante de se ler .

E para encerrar…

Para terminar, deixa eu contar a vocês que, como tradutora freelancer, por anos trabalhei (e ainda trabalho) com machine learning, ou seja, corrigindo materiais traduzidos e transcritos por inteligência artificial. Essas ferramentas são essenciais no mundo célere que vivemos, oferecendo-nos textos e traduções ultrarrápidas para que nossa resposta e o nosso entendimento das tarefas acompanhe a velocidade que se demanda.
Mas todos sabem que não se pode esperar alta qualidade ou refinamento desse serviço, até porque não é essa a função dele.

E ficou claro que essa não é a função do ChatGPT. Publicações literárias demandam qualidade, e elevar a qualidade dos textos redigidos por máquina demanda muita edição, cuidado e tempo, o que é certamente contraprodutivo para muitos que usam essa plataforma. Talvez ela funcione para publicações independentes e nichadas, mas não para materiais publicados em grandes editoras. Pense comigo: o quanto seria gasto, entre tempo e recursos, para transformar o material saído do ChatGPT em algo que encha os olhos de um bom editor, ou um estabelecimento editorial de renome? Compensa?

Onde isso tudo vai parar? Não sei responder, mas não dá para negar que o assunto é polêmico, e que a experiência de conversar e trabalhar com uma IA foi diferente de tudo o que já experimentei em tecnologia.

E o livro-experimento que escrevi com o ChatGPT? Talvez nunca veja a luz do dia…

Quer ler mais sobre o assunto? Segue alguns links interessantes:

https://gizmodo.uol.com.br/com-chatgpt-homem-escreve-e-lanca-livro-em-menos-de-72h/

https://tecnoblog.net/noticias/2023/02/22/chatgpt-ja-aparece-como-autor-em-mais-de-200-livros-vendidos-na-amazon/

https://medium.com/@23north/this-article-was-written-60-by-chat-gpt-1cda849600f7

Deixe aí nos comentários o que você acha desse tópico e se já foi no site conversar com o robozinho !

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